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19 de Abril de 2024

Juíza descarta acidente de trabalho em caso de empregado que decepou a mão de propósito em máquina da empresa

Não prospera a pretensão de responsabilização civil da empregadora, já que o reclamante é o único responsável por ter decepado a sua mão esquerda.

Publicado por Bruna Fernandes
há 7 anos

Uma empresa ajuizou ação trabalhista contra o empregado que após alguns meses contratado na função de embalador, se automutilou no horário de trabalho, quando, por sua própria vontade, decepou sua mão esquerda, na altura do punho, numa máquina que sequer era usada por ele em suas atividades diárias. Afirmou que arcou com as despesas necessárias para o reimplante da mão do trabalhador, no valor aproximado de R$30.000,00, e que o empregado tinha histórico de doença psiquiátrica, dado omitido da empregadora. Argumentando que o evento, por ter acontecido por vontade do empregado, não pode ser classificado como acidente de trabalho, requereu a declaração de que ele não é detentor de garantia provisória de emprego e nem tem direito ao recolhimento do FGTS do período em que esteve afastado, com o contrato suspenso. O empregado se defendeu, dizendo que foi vitima de dois acidentes de trabalho pelo fato de não ter sido adequadamente treinado para o exercício da função e por não ter recebido equipamentos de proteção individual. Alegou ter direito à estabilidade provisória no emprego e que, apesar de sofrer de doença psiquiátrica e de fazer uso de medicação contínua, foi considerado apto para o trabalho e não foi o responsável pelos acidentes.

Veja o voto:

DOS FATOS PERTINENTES AO INFORTÚNIO E SUA REPERCUSSÃO JURÍDICA – AUTOMUTILAÇÃO X ACIDENTE DO TRABALHO

Frigolemos Distribuidora de Frios Ltda propôs ação trabalhista em face de William Jhonatan Rodrigues Ferreira sustentando, em síntese, que o empregado foi contratado em 01.10.2013 para exercer a função de embalador e automutilou-se em 30.01.2014, quando decepou seu punho esquerdo. Relata que o empregado omitiu da ré por ocasião da contratação o histórico anterior de autoextermínio e de doença psiquiátrica. Informa ter arcado com as despesas necessárias para o reimplante da mão, no valor aproximado de R$30.000,00. Assevera que a automutilação praticada pelo empregado William não pode ser classificado como acidente de trabalho e, por isso, o empregado não é detentor de garantia provisória de emprego e nem faz jus ao recolhimento do FGTS do período de suspensão do contrato de trabalho.

Contrapondo-se à inicial, sustenta o empregado William ter sido vítima de dois acidentes de trabalho típicos, em 07.10.2013 e em 31.01.2014, pelo fato de não ter sido adequadamente treinado para o exercício da função, bem como por não ter recebido equipamentos de proteção individual. Diz que apesar de sofrer de doença psiquiátrica e de fazer uso de medicação contínua, foi considerado apto para o trabalho e esta circunstância não determinou a ocorrência dos acidentes. Entende fazer jus à estabilidade provisória no emprego.

Constatada a conexão do presente feito com o que tramitava eletronicamente ante o nº 10.015/2015, determinou o juízo da 2ª Vara de Divinópolis a remessa daqueles autos ao juízo da 1ª Vara, tendo sido determinada a sua autuação ao presente feito a fim de que eles fossem decididos através de sentença conjunta.

Nos autos do processo eletrônico conexo, William Jhonatan Rodrigues Ferreira ajuizou ação trabalhista em face de Frigolemos Distribuidora de Frios Ltda sustentando ter sido vítima de acidente de trabalho e pleiteando a condenação da empresa ao pagamento, a seu favor, de indenização por danos materiais, morais e estéticos, além de pensão mensal vitalícia.

Contrapondo-se à inicial, sustenta a reclamada Frigolemos Distribuidora de Frios Ltda que não ocorreu acidente de trabalho, mas sim automutilação, razão pela qual não pode ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pelo trabalhador.

A r. Decisão julgou procedente a ação trabalhista proposta por Frigolemos Distribuidora de Frios Ltda para declarar a inexistência do direito do trabalhador à garantia provisória de emprego, bem como ao recolhimento de FGTS do período de suspensão do contrato de trabalho, tendo em vista que não foi vítima de acidente do trabalho típico e julgou improcedente o pedido deduzido na ação trabalhista proposta por William Jhonatan Rodrigues Ferreira em face de Frigolemos Distribuidora de Frios Ltda.

Inconformado, busca Willian Jhonatan Rodrigues Ferreira a reforma da r. Decisão, sustentando que de fato sofreu surto psicótico que o levou a amputar a mão esquerda na altura do pulso, mas que se a recorrida “tivesse agido com responsabilidade e realizado exames necessários para uma correta contratação do recorrente, com certeza teria atestado os problemas psiquiátricos deste último, assim não teria admitido o recorrente. Desta maneira não restam dúvidas que a empresa foi negligente ao contratar este empregado, devendo a mesma ser responsabilizada”. (fls. 507) Prossegue afirmando que “a r. Sentença merece ser reformada, no sentido que houve o acidente de trabalho, haja vista a irresponsabilidade da recorrida na contratação do recorrente, assim devendo a mesma ser responsável”. (fls. 507)

Sustenta, ainda, que “se faz necessária a revisão da sentença com retorno dos autos com determinação de nova perícia com profissional responsável para que seja atestado os problemas mentais do recorrente”.

Examino.

Sem honras de preliminar, pretende o recorrente a nulidade da decisão para que seja realizada uma segunda perícia médica, argumentando que a nova perícia deveria ser realizada por médico psiquiatra e não médico do trabalho. Data venia, razão não lhe assiste.

Ademais, o perito nomeado trata-se de profissional habilitado e da confiança do Juízo e deve ser livre para conduzir seus trabalhos e expor suas conclusões, cumprindo ao Juízo apenas aferi-las no confronto com a lei, a prova dos autos, à razoabilidade e à justiça para então acolhê-las ou afastá-las.

Ao juiz incumbe a direção do processo, indeferindo as diligências inúteis e meramente protelatórias (art. 130, CPC/1973 e art. 371 NCPC), e neste contexto se insere a pretensão de produção de nova prova pericial, vez que a matéria já se encontra devidamente esclarecida, possibilitando a formação do convencimento do juízo que, frise-se, não está adstrito à conclusão do laudo pericial, podendo formar seu convencimento com base em outros elementos existentes nos autos.

Rejeito, assim, a pretensão.

Passo, a seguir, ao exame da questão relativa à automutilação da mão esquerda e da possibilidade ou não de sua caracterização como acidente do trabalho.

Todo o contexto probatório dos autos, inclusive o depoimento pessoal do recorrente e o laudo pericial elaborado por perito da confiança do juízo, não deixam dúvidas de que o obreiro padece de doença psiquiátrica desde a infância e que esta doença foi omitida da empregadora por ocasião da contratação. Também incontroverso que o reclamante em um surto psicótico no estabelecimento da empregadora, mas não em seu posto de trabalho, provocou deliberadamente a amputação de sua mão e punho esquerdos.

Senão vejamos.

O MM. Juízo a quo solicitou ao Serviço de Referência em Saúde Mental (SERSAM) do Município de Divinópolis o Prontuário do paciente Willian Jhonatan Rodrigues Ferreira e esta documentação colacionada aos autos às fls.154/166, comprova que o empregado submetia-se a tratamento psiquiátrico regular, com uso de medicação, pelo menos, desde março de 2011. Os registro de atendimento daquele órgão, relativamente aos meses de junho e julho de 2013, evidenciam que o trabalhador chegou a permanecer internado na instituição, quando estava vitimado por ideias persecutórias, desorientação no tempo, agitação e diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (fls. 158/164). O registro do prontuário do dia 11.01.2014 é de que o trabalhador havia tentado auto-extermínio através de corte no punho esquerdo (já suturado), tendo justificado, para o médico, que estava fazendo uso irregular da medicação na ocasião (fls. 164v) e que queria morrer mas arrepende (fls. 165v). Já o registro do prontuário do SERSAN datado de 12/02/2014 também revela que o empregado declarou, na ocasião, que amputou a mão porque quis (fls. 165).

Também o inquérito policial instaurado para investigação do acidente ocorrido também concluiu que o trabalhador havia se automutilado (fls. 310/312), o que levou o Ministério Público do Estado de Minas Gerais a requerer o seu arquivamento (fls. 315/318), o que foi integralmente acolhido pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal de Divinópolis (fls. 320).

Como escorreitamente analisado pelo MM. Juízo a quo “nesse ponto, cumpre asseverar que foi realizado minucioso laudo técnico pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, cuja cópia foi colacionada às fls. 360/368, tendo o perito criminal apurado que: 1- os funcionários com a função de embalador não exerciam atividades com utilização da máquina se serra de fita, ou seja, não executam cortes em peixes; 2- analisando o tipo de lesão sofrido pela vítima Willian Jhonatan Rodrigues Ferreira, amputação da mão esquerda ao nível do carpo (ferimento perpendicular ao posicionamento da fita da máquina) e analisando o funcionamento de uma Máquina Serra de Fita, que não possibilita o agarramento do membro, fica demonstrado que se trata de autolesão ou automutilação. Lesão do tipo amputação ocorrida na linha acima do punho e de forma transversal não ocorre no manuseio normal da Máquina de Serra de Fita.; e 3- A vítima, para amputar a mão esquerda, teria que posicionar perpendicularmente o membro superior esquerdo (região do punho) em relação à lâmina de fita, aplicando um força constante, pois a máquina de serra de fita necessita de força em sua direção para conseguir realizar o corte (fls. 367). Dessa forma, o laudo em questão tampouco deixa dúvidas de que o empregado desejou e provocou sua mutilação”.

Na mesma linha foram as conclusões da perícia elaborada por perito da confiança do Juízo, que enfatizou que, em razão da linha de corte do equipamento, eventual acidente de trabalho iria determinar um corte irregular na direção dos dedos, sendo que para atingir o punho, de forma retilínea, o único jeito é fazendo uma rotação completa do mesmo em 90º, o que não é o mecanismo de operação do equipamento. Esta conclusão fica ainda mais evidente pela análise das fotos objeto do laudo médico (fls. 424v), que não deixam dúvidas de que o obreiro se automutilou.

Na mesma linha foram as conclusões da perícia elaborada por perito da confiança do Juízo, que enfatizou que, em razão da linha de corte do equipamento, eventual acidente de trabalho iria determinar um corte irregular na direção dos dedos, sendo que para atingir o punho, de forma retilínea, o único jeito é fazendo uma rotação completa do mesmo em 90º, o que não é o mecanismo de operação do equipamento. Esta conclusão fica ainda mais evidente pela análise das fotos objeto do laudo médico (fls. 424v), que não deixam dúvidas de que o obreiro se automutilou.

Lado outro, não veio aos autos qualquer menção à existência de processo judicial para intervenção do trabalhador. Assim sendo, e ao contrário do sustentado pelo procurador do trabalhador, só é possível concluir que o obreiro encontra-se plenamente capaz.

O reclamante em depoimento pessoal declarou que submete-se a tratamento psiquiátrico desde a infância, que estava bem de saúde na época em que foi admitido pela empregadora e que cortou sua própria mão, mas não se recorda do motivo pelo qual tomou essa decisão. Confessou, ainda, que trabalhava na embalagem e não na área da máquina de corte e que recebeu treinamento para o exercício da função. Confirmou as informações constantes dos autos de que não fazia parte de suas atribuições operar máquina de corte e que não relatou, no exame médico admissional, que tomava medicação controlada. Mas não é só. Admitiu expressamente que a automutilação da mão esquerda não foi um acidente porque o depoente quis que o fato ocorresse (fls.451/451v).

Confirmando o conteúdo dos laudos criminal e do perito oficial, a prova testemunhal revela que o empregado, no exercício da função de embalador, não poderia ter sido vítima dos dois infortúnios que o vitimaram na empresa, já que não manuseava máquina serra fita e nem ficava na sua proximidade.

Em face de todo o exposto, não prospera a argumentação do recorrente de que a empresa seria responsável pelas lesões, já que foi o próprio recorrente, de forma deliberada, que decepou a sua mão esquerda. Além disso, é importante destacar que os laudos e prontuários médicos não deixam dúvidas de que as moléstias psiquiátricas de que padece o recorrente não afastam sua percepção da realidade.

Não há, ainda, que se falar que a empregadora tivesse sido negligente, pois o reclamante omitiu no exame admissional que padecia de doença psiquiátrica e fazia uso de psicotrópicos, tendo ficado cabalmente demonstrado que o empregado foi treinado para o exercício da função de embalador e sua função não envolvia contato com máquina de corte. Frise-se, por importante, que foi o próprio trabalhador que se afastou de seu posto de trabalho e ligou a máquina com a qual não atuava com o único e claro propósito de se autolesionar.

Também não vinga a pretensão de caracterização da automutilação como acidente do trabalho.

Dispõe o art. 19 da Lei 8.213/91, que acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 da mesma lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

A respeito do tema, compartilho do entendimento do MM. Juízo a quo de que “não é possível concluir que o infortúnio que vitimou o obreiro ocorreu em razão do exercício do trabalho ou, utilizando as palavras da lei, pelo exercício do trabalho. Isso porque, no exercício de suas funções de embalador, para as quais fora contratado, ele não teria se lesionado. O infortúnio ocorreu porque o obreiro afastou-se de sua função para possibilitar o seu acesso à máquina de corte e, assim, se machucar. Aliás, como bem colocado pelo autor, em depoimento pessoal, o infortúnio não se tratou, na verdade, de um acidente, já que decorreu de um ato de vontade. E, assim, não se tratou de um evento fortuito ou de uma casualidade. Nesse contexto, reconheço que o trabalhador, enquanto se ativou em favor da empresa, não foi vítima de acidente de trabalho típico e, sim, de um ato de automutilação, ocorrido no estabelecimento da empresa, mas não no posto de trabalho”.

Não tendo o reclamante sido vítima de acidente do trabalho típico, não faz jus à garantia provisória de emprego estipulada no art. 118 da Lei 8.213/91 ou ao recolhimento do FGTS do período de suspensão do contrato de trabalho fixado no art. 15, § 5º, da Lei 8.036/90.

E, pelos mesmos fundamentos já expostos, não prospera a pretensão de responsabilização civil da empregadora, já que o reclamante é o único responsável por ter decepado a sua mão esquerda. Por todo o exposto, nego provimento.

Fonte: 01170-2014-057-03-00-0 TRT3

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